O que importa na discussão sobre desonerar — ou não — a folha de pagamentos

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Postado por Comunicação CRCPE
29/11/2023

Economistas ouvidos pela EXAME apontam que a decisão do governo foi correta, uma vez que estudos apontam que os setores desonerados não são os maiores geradores de emprego do Brasil.

O veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que prorrogava a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia gerou reações de empresas e parlamentares. O autor do projeto, senador Efraim Filho (União-PB), disse publicamente que vai trabalhar para derrubar o veto para manter a geração de empregos.  

A Frente Parlamentar do Comércio, Serviços e Empreendedorismo (FCS), grupo que conta com mais de 200 deputados federais e senadores, também afirmou que votará para derrubar o veto. Para reverter um veto presidencial, o Congresso precisa de pelo menos 257 votos de deputados e 41 de senadores.

Apesar da forte insatisfação, economistas ouvidos pela EXAME apontam que a decisão do governo foi correta, uma vez que estudos apontam que os setores desonerados não são os maiores geradores de emprego do Brasil — além da possibilidade de aumento da arrecadação com a medida em meio a busca do governo para atingir a meta de déficit zero em 2024.

Na justificativa da decisão, Lula afirmou que, apesar da boa intenção do Congresso, o projeto é inconstitucional e contraria o interesse público por criar renúncia fiscal sem apresentar impactos financeiros e formas de compensação.

Em coletiva na manhã de sexta-feira, 24, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforçou os argumentos e disse que o custo anual da medida poderia chegar a R$ 25 bilhões aos cofres públicos. O titular da Fazenda ainda declarou que o Ministério apresentará uma proposta para substituir o subsídio quando Lula retornar de viagem para participar da  COP28, a Conferência Climática da ONU.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a decisão do governo é acertada, já que a desoneração não demonstrou efetividade. Mas, segundo ele, é preciso pensar em uma alternativa para que o veto não seja derrubado no Congresso.

“O presidente está certo em vetar, mas também faz sentido o governo buscar formais mais inteligentes de desoneração geral da folha de salários. O problema é que o governo na busca por arrecadação não seguirá nessa linha”, diz o economista. “Sem apresentar uma proposta alternativa, o governo deve perder a batalha com reversão do veto.” 

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, afirma que o veto vai na direção da preservação das receitas do Estado e é um acerto de Lula. “A lógica da decisão é preservar receitas e evitar avançar com medidas que não têm o condão de produzir empregos, como se argumenta. Na parte dos municípios, o acerto é maior ainda, uma vez que estão recebendo antecipações da compensação prevista para anos vindouros, como se sabe, e agora receberiam também essa benesse via redução da contribuição previdenciária”, afirma Salto.

Estudo mostra que desoneração não tem efeito na geração de empregos

A desoneração da folha é um mecanismo que permite que empresas de determinados setores paguem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários. Na prática, o PL reduz a carga tributária da contribuição previdenciária para algumas empresas para estimular a contratação de pessoas. A medida foi criada ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2011, e foi sucessivamente prorrogada. Com o veto presidencial, a proposta perderá a validade em dezembro deste ano.

Apesar da intenção, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em setembro mostrou que os 17 setores beneficiados pela desoneração não são os que mais empregam, assim como não figuram entre os campeões de criação de trabalho com carteira assinada nos últimos 10 anos. 

Os setores beneficiados são calçados, call center, comunicação, confecção/vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia de comunicação (TIC), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

Liderado pelo pesquisador Marcos Hecksher, assessor especializado da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Ipea, o estudo usa dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que disponibiliza informações de 87 setores responsáveis pela ocupação de 98 milhões de pessoas.

Sete setores concentram mais da metade (52,4%) do total de empregados no Brasil. São eles:

  • Comércio – exceto de veículos automotores e motocicletas (15,9 milhões);
  • Agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados (7,9 milhões);
  • Educação (6,6 milhões);
  • Serviços domésticos (5,8 milhões);
  • Administração pública, defesa e seguridade social (5,1 milhões);
  • Atividades de atenção à saúde humana (5,1 milhões);
  • Alimentação (4,9 milhões).

Nenhum deles faz parte dos 17 ramos beneficiados pela desoneração na folha de pagamento.

Entre o grupo de setores beneficiados, os primeiros a aparecerem no ranking de maiores empregadores são construção e incorporação de edifícios (4,9 milhões) e transportes terrestres (3,8 milhões), na oitava e nona posição, respectivamente.

Na análise dos últimos dez anos, entre 2012 e 2022, dos 87 setores analisados, 47 abriram mais vagas do que fecharam, gerando um saldo de 13 milhões de postos de trabalho.

A maior parte desse acréscimo (52,3%) veio de quatro setores — e nenhum deles foi beneficiado com a desoneração em folha de pagamento:

  • Atividades de atenção à saúde humana (2 milhões);
  • Comércio – exceto de veículos automotores e motocicletas (1,8 milhão);
  • Alimentação (1,5 milhão);
  • Educação (1,5 milhão).

Dos setores beneficiados pela desoneração, o primeiro a aparecer no ranking é o de transportes terrestres, na sexta posição, com saldo de 747 mil vagas abertas. No conjunto dos 40 setores que reduziram o número de empregos em 10 anos, dez fazem parte dos incluídos na política de desoneração da folha de pagamento.

Fabricação de têxteis, confecção de artigos de vestuário e serviços especializados para construção estão entre os cinco setores da economia com o maior saldo negativo de vagas. Comparando apenas os setores beneficiados, há saldo positivo no número de postos de trabalho, uma vez que foram criadas 1,6 mil vagas de emprego e cortadas 1,3 mil.

Reação dos setores favorecidos pela desoneração

Após o veto, diversas associações soltaram notas lamentando o veto presidencial. Os 17 setores afirmam que o projeto impacta 8,9 milhões de empregos formais diretos, além de outros milhões de postos de trabalho derivados da rede de produção dessas empresas. O grupo defende que a desoneração é “fundamental” para preservação de empregos.

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) disse que a tarifa média nacional de ônibus urbanos vai subir com o fim da desoneração. A Rede de Associações Comerciais alega que 600 mil trabalhadores podem ser demitidos, o que resultaria em uma perda anual superior a R$ 33 bilhões em massa salarial.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) disse também que o aumento da carga tributária para o setor resultará em aumento de preços. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) diz que veto à desoneração impactará o setor em R$ 720 milhões, com ameaça a 20 mil vagas de empregos.

A Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra) estima corte de 400 mil vagas em telecomunicações e redução de investimentos sem a desoneração

Desoneração é inconstitucional?

Um dos argumentos da justificativa do governo para vetar integralmente o projeto é que ele seria inconstitucional. Isso porque, de acordo com a Constituição Federal, toda renúncia de receita deve ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

No mesmo sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma norma infralegal, determina que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias, dentre outros requisitos.

Em agosto, o Tribunal de Contas da União apontou que as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre prorrogações de incentivos ou benefícios de natureza tributária são inteiramente aplicáveis.

Em contrapartida, ao analisar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de 2020 que questionava a prorrogação da desoneração, o na época ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski afirmou que “a prorrogação do prazo de validade da substituição não pode ser considerada uma nova instituição, por não traduzir um novo regime, mas sim a manutenção de um regime já vigente e autorizado”.

Na prática, Lewandowski disse que a prorrogação de uma medida já em vigor não precisava seguir as regras de apresentação impacto orçamentário-financeiro por não representar uma diminuição da carga tributária vigente, tampouco aumento no número de beneficiados pela desoneração, embora amplie seu aspecto temporal.

Após o voto do ministro no plenário virtual, Alexandre de Moraes pediu destaque, ou seja, levar o julgamento da ação para o plenário físico. Como o processo não foi pautado antes do término da prorrogação da desoneração da folha instituída pelo art. 33 da Lei 14.020, a ação nunca teve seu mérito apreciado pela Corte.

Marco Alexandre Gonçalves, advogado tributarista do escritório Brigagão Duque Estrada, afirma que é questionável a tese do governo de inconstitucionalidade, mas também não é possível gravar a constitucionalidade da medida por falta de uma decisão sobre o assunto. “Assim, trata-se questão controvertida que, na hipótese de derrubada do veto presidencial, pode vir a ser levada novamente ao Supremo”, explicou.

Fonte: Exame

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