Microcrédito deve ser ampliado no País
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Postado por Comunicação CRCPE
30/08/2016
Bancos públicos e privados estão se articulando para ampliar o escopo do microcrédito no Brasil. Essa modalidade de empréstimo, com juros regulados por lei (no máximo 4% ao mês), é concedido a microempreendedores de baixa renda e, em muitos casos, na informalidade. A proposta que vem sendo elaborada pelas instituições financeiras e será apresentada ao Banco Central (BC) em novembro visa a ampliar o volume de recursos direcionados ao segmento e o tamanho dos empreendimentos que podem ser beneficiados. A iniciativa surge em momento de crescimento da inadimplência e de perda de fôlego do microcrédito, após anos de expansão no governo da presidente afastada Dilma Rousseff.
Uma das demandas do setor é que o Banco Central eleve o limite dos empréstimos, hoje em R$ 15 mil ao ano, para algo em torno de R$ 60 mil. Os bancos querem que a fonte dos recursos aumente. Hoje, o BC determina que ao menos 2% dos depósitos compulsórios à vista (que precisam ser recolhidos pelos bancos ao BC) sejam destinados ao segmento; a proposta é que o percentual seja elevado para 3%. Outra demanda é a elevação, de R$ 120 mil para R$ 360 mil, do teto de faturamento anual para empreendedores que podem ser beneficiados pelo microcrédito. Ao menos 15 executivos de bancos que atuam no segmento já se reuniram duas vezes neste ano para elaborar a proposta (uma vez na sede da Caixa e outra, na do Santander, em São Paulo), que será apresentada ao BC em novembro durante seminário de Cidadania Financeira, em Brasília.
“O mercado de microcrédito tem uma carteira de R$ 5,3 bilhões ao ano. Dentro do cenário de melhoria de condições operacionais, de aumento do funding, esse mercado pode chegar a R$ 20 bilhões daqui a cinco anos”, afirma Jerônimo Ramos, superintendente de microcrédito do Santander. O BC diz que não comenta movimentações de instituições que supervisiona.
Segundo executivos do setor, um dos motivos para o pleito por um aumento dos valores é o fato de não terem sido corrigidos pela inflação desde que foram instituídos, em meados da década passada. Apesar disso, os bancos que atuam no segmento admitem que o empréstimo médio hoje é bem menor que o limite de R$ 15 mil. No Banco do Nordeste, o tíquete de médio é de R$ 1,9 mil; no Banco do Brasil, de R$ 2 mil; e no Santander, de R$ 2,9 mil. “O teto atual impõe limitações de atividades empreendedoras. Com o aumento do desemprego, as pessoas tentam montar o próprio negócio. Mas, hoje, com R$ 15 mil, o cliente não consegue comprar um food truck. Isso é algo que deveríamos ser capazes de financiar”, pondera o superintendente de microfinança do Banco do Nordeste, Stélio Gama Lyra Junior.
Segundo números do Banco Central, o saldo da carteira de microcrédito (o estoque de empréstimos que ainda precisam ser quitados pelos clientes) fechou o primeiro semestre do ano em R$ 5,3 bilhões, 0,4% menor que no mesmo período de 2015. Embora o governo já tivesse um projeto de apoio ao microcrédito orientado desde meados dos anos 2000, o segmento ganhou impulso a partir de 2011, quando foi lançado o Programa Crescer, que estimulou a concessão de empréstimos a pequenos empreendedores por meio dos bancos públicos.
O saldo da carteira deu um salto naquele ano, avançando quase 22% entre o primeiro semestre de 2011 e o mesmo período do ano seguinte, para R$ 2,95 bilhões. O montante seguiria subindo até se aproximar de R$ 5,5 bilhões em 2014. Desde então, o segmento está praticamente estagnado, afetado pela desaceleração econômica e pelo aumento da inadimplência, de acordo com especialistas.
“A inadimplência cresceu por razões conjunturais, como aumento do desemprego, mas a principal razão é o avanço das operações de crédito pelos bancos públicos. Houve um crescimento muito rápido das carteiras dessas instituições”, observa Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças (Cemf) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/Eaesp). Os calotes, que haviam se reduzido em 2015, subiram de 4,1% de junho daquele ano para 7% no mesmo mês de 2016. Em comparação, a inadimplência da carteira total de crédito direcionado, que inclui crédito rural e empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ao capital de giro, é de apenas 1,4%.
Grande parcela de empreendedores não é atendida
A perda de fôlego manteve o microcrédito no mesmo patamar de insignificância quando comparado com o mercado brasileiro como um todo. Ele não chega a 0,4% do R$ 1,5 trilhão da carteira de crédito direcionado. Embora 28,2 milhões de pessoas já tenham sido beneficiadas com o empréstimo de R$ 64,3 bilhões entre 2008 e 2015, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, 70% do público que necessita desses empréstimos não é atendido, estimou Gonzalez. “Em geral, os bancos não veem vantagem em atuar no microcrédito quando olham para outros segmentos. O setor privado sempre participou muito pouco, enquanto o poder público, invariavelmente, atua por meio do crédito (convencional).”
Por isso, o professor acredita que o aumento da destinação do compulsório não promoveria aumento substancial na concessão do microcrédito. Ele afirma que, embora uma resolução de 2005 do Conselho Monetário Nacional (CMN) determine que bancos comerciais e a Caixa Econômica Federal devam destinar ao microcrédito ao menos 2% dos depósitos à vista compulsórios, nem todos o fazem.
Segundo o diretor do BB Asclepius Soares, a destinação do banco está na faixa de 1,5% dos compulsórios. O Santander, por sua vez, diz usar 90% do montante exigido. Os bancos que não fazem isso podem repassar cotas a outras instituições. O Banco do Nordeste, líder disparado do segmento, tem carteira de R$ 2,95 bilhões, ou mais de metade do mercado. Ele usa, porém, não só o seu compulsório, como o de outras instituições. Os valores que não são usados dessa forma são depositados pelo BC numa conta sem remuneração.
“O que me parece uma luz no fim do túnel é o fenômeno das Fintechs (empresas que oferecem serviços financeiros digitais). Se conseguirem se comunicar facilmente com a população de baixa renda, poderão aumentar a presença, já que há um mercado preponderantemente não atendido”, diz Gonzalez.
Jerônimo Ramos, do Santander, avalia que o suporte à carreira dos agentes de crédito poderá democratizar o microcrédito. Os agentes são responsáveis por ir a campo avaliar a capacidade dos empreendedores de aplicar os recursos em seus negócios e quitar dívidas. São essenciais para as operações, porque, na maioria das vezes, os tomadores não têm relacionamento prévio com o sistema financeiro e, logo, têm perfil de crédito desconhecido. A ideia é criar certificação oficial para esses profissionais, a exemplo das do mercado financeiro, para garantir que tenham noções de contabilidade e da metodologia de microcrédito.
Crédito estudantil também atrai atenção dos bancos
A redução do programa de financiamento estudantil do governo federal (Fies) abriu espaço para outro nicho dentro das instituições financeiras privadas. Para encher as salas de aula, os bancos e as próprias universidades ampliaram ou criaram programas de financiamento, que têm mostrado forte adesão desde o ano passado. Essa opção, no entanto, exige foco e planejamento financeiro desde cedo.
A gestora Ideal Invest, responsável pelo programa “PraValer”, notou um crescimento de 70% no Vestibular de Verão deste ano em relação a 2015. “O Fies foi muito importante para criar a cultura do financiamento estudantil no País, foi um impulso inicial”, diz Rafael Badini, diretor de marketing e vendas da Ideal Invest. Em meados de 2015, o governo federal aumentou os juros do Fies de 3,4% para 6,5% ao ano e reduziu o teto de renda familiar, entre outras medidas que dificultaram o acesso ao programa.
Atualmente, há cerca de 300 instituições educacionais que oferecem o “PraValer” no País – acréscimo de 100 empresas desde 2014. Todas elas subsidiam – integral ou parcialmente – os juros do parcelamento para o aluno, enquanto que em 2014 apenas 25 universidades ofereciam o benefício.
No “PraValer” com juros totalmente subsidiados, o aluno paga metade da mensalidade enquanto estuda e a outra parte depois de formado. Ou seja, se o curso tem quatro anos, o financiamento será pago em oito. O saldo devido é corrigido anualmente pela IPCA, índice de inflação que acumula alta de 8,74% nos últimos 12 meses.
Nos casos em que a faculdade paga apenas parte dos juros, o aluno arca com 1,35% ao mês, em média (17,5% ao ano), mais a correção pela inflação. O pagamento mensal pode chegar a 65% do valor da mensalidade. Em um curso de quatro anos, o aluno paga o financiamento em até 10 anos. Em ambos os casos, o aluno precisa de um fiador, e a renda somada de ambos deve ser 2,5 vezes o valor da mensalidade.
Falta de acesso a recursos estimula informalidade
A proliferação de trabalhadores em semáforos é um dos indicadores de que a crise econômica tem empurrado parte dos brasileiros para a informalidade como alternativa ao desemprego crescente. Em todo o Brasil, são hoje cerca de 10 milhões de trabalhadores informais, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, compilados pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Sem acesso a crédito, muitos deles também desistem de tentar empreender para buscar uma fonte de renda no mercado formal.
A tendência é de que o número de trabalhadores informais continue crescendo ao longo dos próximos meses, sobretudo porque o mercado de trabalho não deverá esboçar uma reação neste ano. Para o Ibre, a taxa de desocupação deverá encerrar o ano em 12,3% – atualmente, a desocupação está em 11,3%.
“A taxa de desemprego deve parar de aumentar somente no segundo trimestre do ano que vem, o que seria uma inflexão em relação à atual trajetória”, afirma Barreira, do Ibre. “Uma queda na taxa de desemprego só deve ocorrer no terceiro trimestre de 2017”, diz. “Se as expectativas em relação ao aumento da confiança estiverem corretas, e isso rebater em vendas e consumo, o emprego deve ser um dos próximos indicadores a se recuperar – mas tudo indica que só no ano que vem”, afirma o professor Rafael Campelo, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
A situação precária do mercado de trabalho fica evidente quando se analisa o rendimento dos trabalhadores. No País, 10,3 milhões dos ocupados recebem até meio salário-mínimo, o que equivale a uma remuneração mensal de apenas R$ 440. Essa parcela, que no primeiro trimestre deste ano representava 10,9% da População Economicamente Ativa (PEA), em 2015 estava em 7,9%, com 9,023 milhões de trabalhadores nessa condição.
Os dados, obtidos por meio da Pnad Contínua e compilados pela Fundação de Pesquisas Econômicas (Fipe), apontam ainda que 5,5 milhões recebem apenas um quarto do salário-mínimo, o equivalente a uma renda mensal inferior a R$ 220,00. No primeiro trimestre do ano passado, esse contingente era de 4,4 milhões de pessoas.
“Esse movimento não é muito diferente do observado na taxa de desemprego padrão: as taxas se reduzem até 2014 e voltam a subir desde então, como resultado da crise econômica – acompanhada pelo crescimento da desigualdade de renda”, afirma o professor Rafael Camelo, da Fipe, responsável pelo levantamento dos dados.
Ele observa que esse contingente de baixos rendimentos abrange também trabalhadores autônomos ou que tiveram redução de jornada, mas, sobretudo, trabalhadores sem carteira assinada. “Os dados são mais dramáticos não só pelo crescimento de uma parcela dos trabalhadores que ganham pouco, mas porque esse é o mesmo grupo que dispõe de menos proteção social em tempos de crise: não pode contar com seguro-desemprego ou FGTS”, explica. Além disso, esse grupo é mais afetado pela corrosão do poder aquisitivo pela inflação, que neste ano já acumula quase 5% e pressiona itens básicos da alimentação, como arroz, feijão e leite.
Fonte: Jornal do Comércio
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